depósito 86

Uma vez alguém me disse que é importante ter um lugar onde se possa despejar tudo o que se pensa. Seja no psicólogo, pra um cachorro, uma tia velha surda, um diário, um site.... desse modo você estaria poupando as pessoas de ouvirem isso. Esse blog segue essa filosofia

Thursday, June 22, 2006

A sangue frio (resenha)

A realidade apresenta histórias que de tão extraordinárias, a assimilação desses fatos como reais exige algum esforço. Essa aconteceu em Holcomb, cidadezinha de 270 habitantes, localizada nas planícies do Texas, na madrugada de 15 de novembro de 1959. Quatro estampidos de espingarda calibre 12 romperam o silêncio habitual “do lugar construído ao acaso próximo à fronteira com o Colorado, [...] e ao todo terminaram com seis vidas humanas”.

“A Sangue Frio”, obra máxima do escritor norte-americano Truman Capote, relata com uma riqueza impressionante de detalhes o massacre da família Clutter e a trajetória dos responsáveis pelo crime, Perry Smith e Dick Hickock até a morte por enforcamento. A tragédia foi conseqüência de um assalto frustrado a um suposto cofre dentro da propriedade dos Clutter, com aproximadamente 10 mil dólares. O cofre não existia e os assaltantes levaram da casa um binóculo, um rádio e alguns trocados. Antes de sair, mataram os quatro membros da família.

Através de perfis psicológicos detalhados e cenários descritos com precisão, a história se desenvolve entre as reações da comunidade local ao crime, as investigações da polícia e as aspirações, traumas e frustrações de Dick e Perry encerradas com a execução “na esquina”, – expressão que os condenados à morte usavam para se referir ao local onde se encontrava a forca – a primeira delas, na frente de Capote. Após a morte de Dick, o escritor vomitou duas vezes e se retirou do local antes de ouvir Perry dizer as últimas palavras :
- “Acho um absurdo tirar a vida de uma pessoa desta maneira. Não acredito na pena de morte, nem do ponto de vista moral nem legal. Não faria sentido pedir desculpa pelo que fiz. Seria até inadequado. Mas eu queria pedir. Eu peço desculpas”.

A obra apresenta, na parte final, um questionamento a respeito da pena de morte e do sistema judiciário norte-americano. Questionado sobre o tema, Dick falou :

- O que posso dizer sobre a pena de morte? Não sou contra. É vingança. E isso é uma coisa muito importante.

Para escrever o livro, Capote investigou o caso durante seis anos. Escreveu a mão (não usava gravador) 8 mil páginas de relatos, da população local, de advogados, detetives, psiquiatras, além dos próprios assassinos, a quem o escritor visitava freqüentemente no período em que eles estiveram presos. O resultado inaugurou um novo gênero literário : o romance de não-ficção, nas palavras do próprio autor.

Com uma narrativa entrecortada, composta de trechos como os que apresentam Perry e Dick planejando o crime e ao mesmo tempo o cotidiano de Herb, Bonnie e seus filhos Nancy e Kenyon Clutter prestes a serem assassinados, Capote passeia a vontade pela linha criada, em parte, por ele entre o jornalismo e a literatura. “A Sangue Frio” é uma obra-prima literária sem deixar de ser uma grande reportagem.

Thursday, June 15, 2006

Hans Magnus Enzenberger em seu livro “Elementos para uma teoria sobre os meios de comunicação”, sonhava com uma mídia democrática. Um lugar além dos interesses do capitalismo onde todos tivessem acesso à divulgação de idéias e não atuassem apenas como receptores de pensamentos manipulados. O escritor, principal representante da nova esquerda alemã, porém, não via a manipulação como algo intrinsecamente ruim. Ao contrário, acreditava que “um esboço revolucionário não deveria fazer desaparecer os manipuladores, mas sim transformar cada um de nós em manipulador”.

Apesar do caráter pejorativo que a palavra possui, devido, em parte, por décadas de análises e discursos inflamados de líderes sindicais, aqui ela não será substituída. Faltam manipuladores na mídia, ou ao menos manipuladores que atuem de forma clara. Que expressem opiniões como opiniões e não sob a confortável sombra da imparcialidade e objetividade fajutas que as matérias jornalísticas proporcionam.

Opinar tornou-se algo raro na maioria dos veículos de comunicação. Nessas eleições a rede Globo proibiu todas as suas emissoras afiliadas de exibirem comentários políticos. O jornalista Cláudio Prisco Paraíso afirmou recentemente que foi demitido do jornal O Estado e do SBT por pressões do governo. Exemplos não faltam.

Se Enzenberger e a teoria marxista para os meios de comunicação buscavam o acesso democrático à divulgação de idéias e opiniões, o que acontece é o contrário. Cada vez se vê menos independência e opinião (em assuntos que não sejam Copa do Mundo ou a novela) na mídia. O vínculo de veículos de comunicação de massa como a televisão e o rádio à política e a patrocinadores se não chega a censurar manifestações contrárias a seus interesses, deixa isso subentendido. Não existe mais censura. O poder do governo e do capital já não conduz aos porões da ditadura os que se manifestem contra o sistema, mas sim ao ostracismo e ao desemprego.